As “pachyfarsas” de Hell Creek

  A Pachycephalosauridae é uma família de dinossauros marginocéfalos (clado Marginocephalia, que inclui as subordens Pachycephalosauria e Ceratopsia). Eram ornitísquios herbívoros/onívoros e bípedes que habitaram a Ásia e a América do Norte durante o final do Cretáceo. Conta com 15 gêneros... espera, não era 17?
Esqueleto montado de Paquicefalossauro no Museum of Ancient Life, Utah. Que carinha simpático. Wikimedia, com Attribution-ShareAlike 4.0 International (CC BY-SA 4.0). Usuário: Etemenanki3.

 Tá, mas por que 15 e não 17? Aí precisamos entrar numa longa jornada, que agora começa.

 Em 1945, Charles Mortram Sternberg, após uma “treta” — que se prolongaria muitos anos mais e que perdurou até os tempos de hoje, e talvez ainda perdura — com o Troodon e a Troodontidae, criou a Pachycephalosauridae. Anos se seguiram e duas certas espécies de paquicefalossaurídeos foram descritas: Stygimoloch spinifer (não, ele não é um dinossauro Popeye), por Galton & Sues, 1983, e Dracorex hogwartsia, por Bakker et al., 2006. Ambas as espécies, juntamente à espécie Pachycephalosaurus wyomingensis, são paquicefalossaurídeos norte-americanos da formação Hell Creek. Entretanto, há controvérsias sobre a validade de Dracorex e Stygimoloch
Crânio de Dracorex, by Wikimedia commons, com Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0). Usuário: Kabacchi.
Crânio de Stygimoloch, by Wikimedia commons, com Attribution-ShareAlike 3.0 Unported (CC BY-SA 3.0). Usuário: Haplochromis.

Por que, exatamente? Calma, meu jovem, antes preciso explicar uma coisinha.

A (ou uma das) característica mais marcante dos paquicefalossaurídeos é a sua morfologia craniana única entre os vertebrados: ornamentação craniana única e uma cúpula frontoparieral ampliada — que chamaremos apenas de cúpula. Muitos artigos foram lançados examinando os crânios de paquicefalossaurídeos, como a variabilidade das cúpulas. Entretanto, sua ontogenia foi pouca abordada em muitos deles ou não considerada um fator importante, fora na inflação relativa da cúpula. Então, em 27 de outubro de 2009, um artigo de Horner & Goodwin — pelo amor de Deus, vocês não devem subestimar um paleontólogo ou desmerecer seus estudos apenas porque em alguns deles ele cometeu um tremendo erro que foi logo refutado — foi lançado ao ar na revista Plos One (uma das minhas revistas científicas preferidas, aliás), que é a primeira fonte desta postagem. Nele, os dois autores examinaram perfeitamente a ontogenia do Pachycephalosaurus wyomingensis. Uma das conclusões, caso você ainda não tenha percebido — que é algo, digamos... incrível — é... leia o artigo ou o final do post. Fato é que suas conclusões não são as primeiras a inferir tal coisa. Dodson, em 1975, afirmou que certos hadrossaurídeos norte-americanos relativamente pequenos eram, na realidade, juvenis de gêneros maiores. Nesses hadrossauros, o crescimento alométrico (relativo ou proporcional) do crânio continuou até que ele (o crânio) atingiu 50% do tamanho. Além disso, Horner & Goodwin fizeram um trabalho na minha opinião bem convincente, e várias linhas de evidências apóiam suas conclusões. Agora, sem mais enrolações, venham comigo.

Método... oh, método, por que és tão significativo? Deixando a “poesia” para trás, vou deixar o método em forma de imagem e em inglês, sem tradução. Pois (1), não consigo explicar direito sem tirar informação e deixar em um jeito em que o texto não pareça copyright; e (2) devido às diferentes traduções dependendo do dispositivo e tradutor, alguma coisinha pode não ficar clara a muitos ou algo pode ser alterado na tradução. Em outras palavras, vocês que ralem.
Agora, o melhor: as conclusões.

A discussão presente no artigo é bem extensa e um pouco confusa para leigos, e embora eu não seja leigo nesse assunto, realmente senti dificuldades em compreender. Por isso, vou pegar as partes mais claras e significativas e listar aqui. Se quiser o conteúdo completo e com mais detalhes, veja a primeira referência desta postagem.

- Uma análise tomográfica realizada no espécime de Styigimoloch MPM 8111 revelou uma sutura intrafrontal aberta internamente, que evidencia uma expansão na cúpula durante o crescimento craniofacial pós-natal. Tal sutura intrafrontal atua como um lugar de crescimento do osso intramembranoso e continua intacta conforme um novo osso é moldado.
- Uma sequência de nódulos piramidais proeminentes na superfície anterodorsal do holótipo de Dracorex hogwartsia coincidem às ornamentações dos nasais do espécime de Paquicefalossauro AMNH 1696 e um crânio de outro espécime de Paquicefalossauro, só que desta vez um pouco mais jovem.
- O focinho longo e dois meios anéis de picos piramidais no focinho de Dracorex são praticamente iguais ao conjunto visto em Pachycephalosaurus e Stygimoloch.
- O distinto agrupamento de chifres dos ossos esquamosais passam por um crescimento alométrico antes de entrarem no estado de subadulto 一 Dracorex é um estágio juvenil.
- De Dracorex para Stygimoloch, os chifres e nódulos levemente curvados dos esquamosais crescem de tamanho ontogeneticamente antes de se desfazerem e antes que os nódulos sejam alterados em sua morfologia piramidal romba e robusta nos crânios de Pachycephalosaurus mais avançados ontogeneticamente.
- Embora uma correspondência rígida da ornamentação do esquamosal em Dracorex e Pachycephalosaurus não é precisa, ela é mais rígida entre Dracorex e Stygimoloch antes que o frontoparietal seja submetido a uma modificação ontogenética extrema, especialmente na área mais tardia do crânio com a expansão da cúpula.
- Uma seção histológica coronal de um crânio de Dracorex exibe uma sutura intrafrontal exposta em vista coronal. Sua cúpula apresenta vascularizações que mostram aberturas vascularizadas orientadas primordialmente num padrão radial, sugerindo um crescimento ativo e rápido da cúpula, além de que fibras abundantes e fibrócitos situados na superfície dorsal da cúpula apontam uma região de inflação e ossificação. Uma cúpula totalmente formada de um Pachycephalosaurus é bem mais densa e com menos vascularização, o que sugere um crescimento diminuído.
- A coisa mais controversa da hipótese de Horner e Goodwin diz respeito aos longos chifres do esquamosal de Dracorex e Stygimoloch, pois nos dois últimos são pontiagudos e médio-grande em tamanho; já no Pachycephalosaurus são relativamente mais curtos, rombos, menos pontiagudos e robustos. Portanto, seguindo os resultados da hipótese, os chifres deveriam crescer em Dracorex e Stygimoloch antes de serem erodidos, mudando de tamanho e forma. O estágio exato em que o tamanho máximo dos chifres é alcançado permanece obscurecido, mas aparentemente ocorre entre o holótipo de Dracorex e Stygimoloch.
O menor chifre foi de um Stygimoloch, que possui evidências de tecido altamente vascularizado, rápido crescimento da cúpula que foi a ele associada, rápido crescimento do chifre e uma uma superfície externa extremamente irregular. A falta de osteócitos e fartura de fibras no chifre é indicativo de que ele estava crescendo por metaplasia 一 "processo em que tecidos conjuntivos fibrosos densos são transformados diretamente em osso sem a intervenção de um periosteum ou a presença de osteoblastos" 一 e não por ossificação periosteal. O maior corno central do holótipo de Stygimoloch mostra tecido metaplástico com uma camada externa embaciada que está se desgastando. Não sabemos se a metaplasia acontecera no momento que o animal morreu, mas há evidências histológicas de que ele passou por um período anterior de desgaste e em seguida uma etapa de metaplasia e, por fim, um último processo de desgaste que aconteceu quando o indivíduo morreu. 
Outro corno, o espécime MOR 560, também se encontra em estado de desgaste. O revestimento metaplástico primário é muito fino e grande parte do osso foi reconstituído por inervação secundária. Fibras Sharpey próximas às superfícies exteriores e os canais recuados nas superfícies externas de cada um dos chifres seccionados indicam uma cobertura queratinizada.
- Por aqui acabamos Horner & Goodwin (2009), mas embarcamos em Longrich, Sankey & Tanke (2010), o artigo de descrição de Texacephale langstoni, mas, basicamente, Longrich et al. (2010) corroboram com as interpretações de Horner & Goodwin (2009), argumentando que todas as espécies de paquicefalossaurídeos de crânio achatado eram formas juvenis de adultos com cúpula.
- Agora já em 2016, Goodwin & Evans descreveram novos espécimes juvenis de Paquicefalossauro achados em Hell Creek. Também não vou entrar em grandes detalhes, mas apenas digo-lhes, caros leitores, que o artigo também corrobora com o artigo de Jack R. Horner e mark B. Goodwin, de 2009.

"Sequência ontogenética craniana de Pachycephalosaurus wyomingensis com marcos morfológicos destacaddos em cores." Barra de escala = 5 centímetros. Imagem retirada de Horner & Goodwin, 2009. Com Attribution 2.5 Generic (CC BY 2.5).

Resumindo tudo o que fora escrito: histologia craniana, tomografia computadorizada, morfologia e padrões semelhantes de crescimento apóiam a hipótese de que os táxons Dracorex hogwartsia e Stygimoloch spinifer são nada mais nada menos que apenas formas imaturas do táxon maior Pachycephalosaurus; juvenil, subadulto e adulto, respectivamente.

Fontes
Horner JR, Goodwin MB (2009) Extreme Cranial Ontogeny in the Upper Cretaceous Dinosaur
 Pachycephalosaurus . PLoS ONE 4 (10): e7626.


Texacephale langstoni, a new genus of pachycephalosaurid (Dinosauria: Ornithischia) from the upper Campanian Aguja Formation, southern Texas, USA

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