O Ceratossauro é semi-aquático e eu posso provar! ... Ou não...

O Ceratosaurus é um gênero de dinossauro terópode ceratossauriano ceratossaurídeo conhecido por fósseis que datam do final do Jurássico, 155,7-150,8 Ma. É caracterizado pela presença de cornos na linha média do nariz e em cima dos olhos. A espécie-tipo, C. nasicornis, foi descrita com base em um esqueleto articulado quase completo da formação Morrison. Apesar disso, logo depois mais material foi recolhido e atribuído ao gênero — em lugares como Colorado, Utah, Portugal e Tanzânia — fazendo com que fosse o primeiro grande terópode conhecido por um esqueleto completo, além de ser o ceratossauriano mais completo. Entretanto, ele, em grande parte, viveu com um crânio bem distorcido por causa de processos tafonômicos. Isso não impediu nossa maior compreensão sobre o táxon, afinal, como citei ali em cima, ele é conhecido por um esqueleto completo. No entanto, mesmo assim fósseis de Ceratossauro em Morrison são raros — porém, com certeza haveria mais se os mais de 75% da formação fossem liberadas aos paleontólogos e aos geólogos; espero que o governo Biden melhore isto —, sendo assim, sua Paleobiologia e Paleoecologia não são tão bem compreendidas.
 Aqui vou abordar um assunto que raramente vejo sendo debatido em “paleoconversas” nas redes sociais (embora eu já tenha participado de algumas): os possíveis hábitos semi-aquáticos do Ceratossauro. Ok, parece bobagem, mas não é tão bobo assim.
Arte do usuário Megaraptor-the-allo (Deviantart). Obra usada com permissão.

Para começar, a paleobiota de carnívoros de Morrison (quando o Ceratossauro viveu) era incomum, pois apresentava muitas espécies de terópodes carnívoros no mesmo ecossistema. Por exemplo, o ceratossauriano Fosterovenator; os celurossaurianos TanycolagreusCoelurus, Ornitholestes e Stokesosaurus; os megalossauróides Marshosaurus e Torvosaurus e os alossaurídeos Allosaurus e Saurophaganax. E foi tentando explicar de que forma esta fauna de terópodes coexistiu, que surgiu uma hipótese de Bakker & Bir (2004) que citou o Ceratossauro como semi-aquático. Mas por quê? Simples, (1) porque as espinhas neurais nas vértebras caudais anteriores são altas e verticais; (2) os ossos chevron são muito profundos e (3) cauda mais flexível que a dos alossaurídeos. E outra coisa que influenciou foi o fato de que já tinha dinossauros não-avianos que provavelmente ficavam muito tempo na água, como os espinossaurídeos — entretanto, os dados que provam isso são insuficientes e também pode haver explicações alternativas; por exemplo, o Sucomimo, um espinossaurídeo barioniquíneo, não tem, em seu esqueleto pós-craniano, evidências de comportamento semi-aquático, e Hone & Holtz (2021), ao reavaliar a ecologia do Spinosaurus, um espinossaurídeo espinossauríneo, descobriram que há sim uma explicação alternativa que bate de frente com as hipóteses anteriores, sendo mais bem suportada que elas. 

 *Queria apenas dizer um adendo: o termo “semi-aquático” pode ser dado para quase todos os tetrápodes que conseguem passar um bom tempo dentro da água. Portanto, o sentido de semi-aquático, neste caso, ao Ceratosaurus, é de hábitos aquáticos semelhante aos dos modernos crocodilianos. 
Parte posterior do esqueleto de um espécime juvenil e fragmentário de Ceratossauro, em exibição no North  American Museum of Ancient Life, Utah, E.U.A. Foto do usuário Jens Lallensack, Wikimedia commons, com Attribution-ShareAlike 4.0 International (CC BY-SA 4.0).

Entretanto, como para tudo na vida há um porém, as espinhas neurais — que foram preservadas — do holótipo de C. nasicornis (USNM 4735) da cauda proximal se assemelham em tamanho ou são inferiores às da série sacral, e no espécime-tipo de C. dentisulcatus acontece o mesmo, além de que as espinhas neurais das vértebras dorsais que vem antes da média são mais altas que as caudais. Ademais, a altura das espinhas neurais das vértebras caudais não são uma boa evidência de estilo de vida aquática. Muitos terópodes que não foram dados com comportamento ligado à água, como o metriacantossaurídeo Yangchuanosaurus e o abelissaurídeo Majungasaurus, possuem altas espinhas neurais das vértebras caudais proximais. Além disso, as espinhas neurais altas em crocodilianos também ocorrem nas vértebras caudais médias e distais, e são subcirculares em seção transversal. Contudo, as espinhas neurais do Ceratossauro não são altas na parte média e caudal e elas retêm uma morfologia plana, semelhante à uma lâmina. Então, com isto, podemos dizer que a cauda do Ceratossauro não é, ou seria, análoga à cauda de modernos crocodilianos.
Reconstrucão do esqueleto do holótipo de Ceratosaurus, reconstruído por Gilmore (1920) e disponibilizado na Wikimedia commons como domínio público.

Já a questão da profundidade dos chevrons também são questionáveis diante de um estilo semi-aquático de vida. Tal profundidade encontrada nos chevrons do Ceratossauro também são encontradas em outros terópodes, como o ornitomimídeo Gallimimus, o carcarodontossaurídeo Giganotosaurus e o herrerassaurídeo Herrerasaurus — que não foram dados como semi-aquáticos —, e essa profundidade não é encontrada em mosassaurídeos, que claramente são exclusivamente aquáticos. Na realidade, a função dos chevrons em répteis é proteger os nervos ou vasos sanguíneos e servir como área de fixação aos músculos caudofemuralis e ilioischiocaudalis.
Os chevrons do “Cerato” não se parecem com os dos crocodilianos, pois a porção distal é lateralmente comprimida, já a porção distal dos “crocs” é levemente expandida. Também, os chevrons do meio da cauda do Ceratossauro se parecem mais com os de terópodes basais, como Dilophosaurus ou Cryolophosaurus, do que de outros terópodes. 

 O lance da cauda é contradito simplesmente por termos evidências de enrijecimento da cauda de Ceratosaurus em prol da velocidade e aceleração. Na verdade, é possível que a cauda forte e flexível inicialmente veio para ajudar na natação, como atravessar um rio, por exemplo, em Dinosauria, mas isso não necessariamente exige hábitos aquáticos.
Ceratossauro montado como perseguindo um Driossauro. Exposição em Dinosaur Hall do Carnegie Museum. Foto do usuário Kordite, Wikimedia commons, com Attribution 2.0 Generic (CC BY 2.0).

Com isto, a hipótese do Ceratossauro semi-aquático pode ser contradita, mas, para trabalhar mais um pouco, se o Ceratossauro, com base nas características de Bakker & Bir (2004), fosse semi-aquático, além delas, ele também provavelmente exigiria adaptações cranianas e no resto do corpo. Crocodilianos modernos possuem, por exemplo, órbitas elevadas, membros reduzidos, corpo alongado e narinas posicionadas dorsalmente. Agora, as pernas do Ceratossauro não são tão separadas, morfologicamente, das pernas de outros terópodes; as narinas externas estão posicionadas abaixo dos olhos e na ponta do focinho e as órbitas estão posicionadas lateralmente.
Crânio de Ceratossauro, em domínio público, e crânio de crocodilo (não identificado) disponível na Wikimedia commons.

Ok, sabemos que um “Ceratocroc” é mal suportado, mas nem tudo em Bakker & Bir (2004) é contradito e improvável. Eles argumentaram que dentes de megalossauros e Ceratossauros eram mais comumente encontrados em sedimentos que outrora eram pântanos e planícies fluviais. Além, os dentes da pré-maxila e dentário de Ceratosaurus são cônicos e apresentam estruturas análogas às de espinossaurídeos barioniquíneos e dilofossaurídeos. Tal morfologia e estruturas estão presentes em animais atuais que apresentam hábitos piscívoros. Isto pode indicar uma maior presença de peixes — os que os ictiólogos estudam — na dieta do Ceratossauro. No entanto, características cranianas, como nasais fundidos, crânio alto e estreito, dentes laterais em forma de lâmina e falta de placa secundária ossificada ainda une o Ceratinho a outros terópodes carnívoros típicos. Portanto, é provável que o Ceratosaurus fosse um carnívoro generalista e oportunista que predava tanto presas no ambiente aquático quanto terrestre. Mas se realmente o Ceratossauro tinha um nicho assim, muito possivelmente perdeu concorrência com outros terópodes, mas concorreu com répteis piscívoros da época, como pseudosuquianos.

Em resumo, um Ceratossauro semi-aquático é improvável e é mais provável que ele, além de predar animais terrestres, também predasse criaturas aquáticas, mas isto iria aumentar sua competição com crocodilianos de Morrison.

Fontes





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